É fácil identificar a ocorrência de um acidente do trabalho quando o dano parcial ou permanente sofrido pelo empregado decorrer de um fato único, como a queda nas escadarias de uma empresa, por exemplo, entretanto, a tarefa fica muito mais difícil quando temos de tratar da possibilidade de acidente do trabalho resultante de uma doença ocupacional, tratada como acidente por equiparação.
O artigo 20 da Lei 8.213/1991 disciplina hipóteses desta caracterização, vejamos:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Trata-se de uma evolução legislativa que buscou preservar todo e qualquer trabalhador, visto que muitas atividades, aparentemente, não teriam força de produzir danos à saúde, mas a saúde e medicina do trabalho já demonstrou de forma consistente inúmeras possibilidades de danos à saúde em razão, por exemplo, do exercício de atividades repetitivas, ou mesmo pela inobservância da correta ergonomia para o exercício de uma atividade relativamente simples.
Nesse sentido é que o legislador ordinário estabeleceu que: “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação” (artigo 21, I, da Lei 8.213/1991).
Extrai-se do enunciado acima a teoria da concausa, o que nos induz a questionar se o empregado acometido pelo COVID-19 e que tenha evoluído para um quadro mais grave, até mesmo a morte, poderia ou não ser enquadrado no conceito acima?
A legislação vigente nos sinaliza as duas hipóteses, ou seja, poderia ser sustentada a ocorrência de acidente do trabalho por equiparação na forma do artigo 21, III, da Lei 8.213/1991 – “a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade”.
Em contrapartida, temos de lançar detido olhar para o artigo 20, § 1º, da Lei 8.213/1991, segundo o qual não se caracterizaria a hipótese de acidente quando: “a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.
Como ponto de partida, temos de considerar que o COVID-19 possui nítida característica de doença originalmente endêmica, portanto, afastaria a hipótese de reconhecimento do acidente por equiparação, entretanto, tal afirmativa não é totalmente verdadeira, e o próprio dispositivo legal nos sinaliza isso.
Na parte final do §1º, do artigo 20 da Lei 8.213/1991, o legislador cuidou de estabelecer exceção à regra, qual seja: “…salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”, afirmativa que nos indica, por exemplo, que os profissionais de saúde, na linha de frente ao combate da pandemia se enquadrariam perfeitamente neste caso, mas não só eles.
Temos que ampliar o leque de profissionais que notoriamente estão mais expostos ao contágio, tais como profissionais de limpeza, de segurança e de serviços técnicos essenciais, pois não podemos deixar de lado profissionais que garantem, por exemplo, o funcionamento de elevadores, sistemas elétricos, etc.
Alguns sindicatos profissionais se anteciparam ao tema a ajuizaram medidas jurídicas com vistas a garantir o fornecimento obrigatórios de equipamentos de proteção individual por seus empregadores, tais como máscaras, álcool gel, entre outros conforme a natureza da atividade.
Disto resulta outra importante observação, a de que o empregador não poderá negligenciar o fornecimento dos EPI`s, o que poderá resultar na aplicação de multas e outras penalidades, além, é claro, de tornar ainda mais evidente sua responsabilidade num cenário de contágio do seu empregado e que resulte, por exemplo, na sua morte.
Cada caso exigirá cuidadosa análise de todos os aspectos acima levantados, além de outros mais que a hermenêutica jurídica nos impõe para que se possa responder questionamento de tal envergadura.
Por fim, e apenas para provocar o leitor, como seriam tratados os casos de profissionais autônomos que hoje trabalham em plataformas de aplicativos de entrega e de transporte que viessem a óbito pelo contágio do COVID-19?